Com teto e dignidade
A lembrança das cenas de batalha ainda assustam os moradores despejados, em agosto passado, do prédio da rua Plínio Ramos, no centro de São Paulo. Pior que o trauma da violência policial foi a perda de uma referência social, que é a moradia em que estavam, e da auto-estima, revelada principalmente nos dias em que a maioria deles passou a viver literalmente nas sarjetas em frente ao local de onde foram desalojados.
Fatos como os da capital paulista estão acontecendo em outros centros urbanos no país. Em fevereiro, ocorreu o mais dramático caso de despejo do ano, que foi a retirada das famílias do Parque Oeste Industrial, em Goiânia, quando duas pessoas morreram e outras 45 ficaram feridas.
Os despejos forçados envolvem milhões de pessoas em todo o mundo. Estudos indicam que 4,3 milhões de pessoas em 63 países foram retirados à força de suas casas no período de 1998-2000. Frequentemente, estas ações a exemplo do que foi relatado, são acompanhadas de violência severa.
Segundo a ONU, as principais causas se devem, entre outros, a implantação de projetos de infra-estrutura, como barragens e estradas;projetos de embelezamento urbanos; conflitos fundiários ou de direito de propriedade; remoção ou redução de subsídios para famílias de baixa renda; e reivindicação de terras públicas.
Infelizmente muitas destas situações são constantes no estado de São Paulo e em nosso país. O governo Federal vem enfrentando este cenário preocupante, ao criar em 2003, o programa Papel Passado que pretende atender até o final de 2006 mais de 300 mil famílias com títulos de propriedades, além de ter direcionado a política de habitação e os
recursos para as famílias que ganham até cinco salários mínimos, onde se concentra 92% do déficit habitacional no país. Em relação a casos de conflito, foi criado um grupo de trabalho no Conselho Nacional das Cidades para propor, recomendar, e monitorar políticas e ações de prevenção aos despejos forçados.
Recentemente, a Força Tarefa da ONU para prevenção de despejos forçados recomendou, entre outros, que os governos aprovem legislações para prevenir desocupações violentas; além de assegurar o direito de posse aos moradores de favelas e áreas ocupadas.
Infelizmente, o governo do estado mais rico da federação não demonstrou até o momento a sensibilidade desejada para esta preocupante realidade. Por conta disso e também em razão das iniciativas no âmbito federal e das recomendações da ONU, encaminhamos no mês passado projeto de lei para que o Executivo crie uma Comissão Especial de Análise de Despejos para acompanhar os processos de desocupação de áreas sujeitas à reintegração de posse que se caracterizem como assentamentos rurais e urbanos.
A proposta não/ pretende interferir na decisão ou mesmo nos procedimentos judiciais estabelecidos pelo Código Civil e de Processo Civil. /Qualquer parte interessada num processo poderá solicitar que cópias das ações de reintegração de posse sejam encaminhadas à Comissão, que terá papel de discutir alternativas para as áreas a serem desocupadas de forma a garantir os direitos de todos os envolvidos na ação, proprietários e moradores, assegurando as disposições constitucionais.
Devemos agir o quanto antes para que as cenas de violência ou a perda forçada da moradia não tornem casos cada vez mais freqüentes. Somente no centro da capital paulista mais de mil famílias estão ameaçadas de serem
despejadas de seus locais. Até quando precisaremos de mais vítimas para buscar a solução dos problemas?
Simão Pedro, Deputado Estadual (PT) e
Presidente da Comissão de Serviços e Obras
Públicas da Assembléia Legislativa.
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